28 de abril de 2014

Entrevista com Yuki

Yuki: Como defines a tua história de infância?
Blue: Até aos meus 13 anos de idade, tive uma infância feliz. Por vezes muito boa, com uma mãe que me amava e que sempre me incentivou na arte. Eu desenhava, lia, escrevia. Eu tinha tudo sob controlo e sabia o que estava a fazer. Nada me parava. Sabia que podia fazer o quisesse porque o mundo era pequeno e as coisas boas aconteciam comigo apenas por sorte. Não tinha nenhum problema, nenhum óbice, naquele tempo inconscientemente vago. A minha avó foi a que mais me ajudou financeiramente a viver como artista. Quando era bem pequeno, tinha a certeza que poderia ser um. Não tinha nenhum problema, porque sempre fui louco dos cornos e o mundo estava nas minhas mãos. Na altura pensava que esse meio era tão grande quanto o meu jardim.

Yuki: Como defines a tua história de adolescente?
Blue: A minha história Yuki. Penso que é como muitas outras. Os mesmos problemas e vícios. Não acredito que somos especiais, pois todos nós carregamos diferentes buracos no corpo. Eu sempre tive uma dor. Não era imaginária. Carreguei essa dor o tempo todo. Provavelmente já era psicológica. Quando essa dor se manifestava, a dor era tão intensa e profunda que eu não pensava em mais nada senão no desejo inquestionável de me suicidar. Sempre achei que tinha tendências esquizofrénicas porque me sentia nervoso o tempo todo. Tinha aqueles hábitos constantes de morder os lábios, coçar o rosto, mexer no cabelo. Sentia um ódio pelas criaturas porque elas não atendiam às minhas espectativas e eu endoidecia por ter de conviver sempre com os mesmos idiotas. Era óbvia a minha reação, quando tinha que lidar com todos esses anormais. Era uma vingança pessoal, porque eles eram tão machos, fortes e definitivamente estúpidos. Diziam que eu era exageradamente dramático, então comecei a sentir-me muito neurótico, paranoico, porque eles sabiam que a qualquer momento eu poderia enlouquecer com o mundo. Não seria tão estranho se ao menos tivesse encontrado um rapaz com o cabelo extravagante. Se ao menos pudesse ter encontrado um punk-rocker! Eu queria ter feito parte de um grupo mas não dos “normais”, não dos populares da escola. Queria fazer parte das aberrações, talvez assim encontra-se alguém semelhante. Por sorte achei um amigo gay, chamava-se Pedro. Basicamente salvou-me naquele tempo em que eu só pensava no suicídio. Aparentemente todo o mundo sabia que ele era gay, ele não se importou em me dizer, ou eu não me importei em perceber. Depois disso comecei a perceber que as pessoas me olhavam de uma forma estranha. E foi aí que comecei a ser perseguido e fisicamente espancado. No entanto a partir daí foi motivo de orgulho para mim, pelo simples facto de sentir prazer de quebrar as regras da “normal” sociedade e de sentir uma espécie de prazer naquela dor. No fundo tornou-se suportável aquele conflito e já me parecia estranho ser de uma outra forma. Era entusiasmante. Porque quase achei a minha identidade. Aos olhos dos que me amavam fui sempre a criança especial. Não era o que procurava mas era melhor do que ser uma outra coisa qualquer.

Yuki: Como defines a tua história com o teu pai?
Blue: Sempre tive um condicionamento precoce, mas quando comecei a tornar-me num maníaco-depressivo aos 13 anos, não via isso dessa forma. Penso que a minha geração foi uma das últimas mais ingénuas. Tudo era uma fantasia. Tudo era, tipicamente medieval comparado com os dias de hoje. Eu vivia sendo espancando, quer psicologicamente ou fisicamente. O meu pai, em ocasiões sociais, tipo, em tascos vertia desilusão no olhar cada vez que me apresentava como “Este é o meu filho bailarino”. Nunca entendi o porquê de o meu pai ficar tão encavacado e intimidado pelo que as pessoas irão pensar de mim, ou até mesmo dele. É um tratamento psicológico fodido para uma criança como eu, porque ainda hoje me recrimino por não fazer certas coisas da forma sendo dada como correcta. Tenho muita raiva de mim. Porque sempre fui condicionado a não cometer erros. Fode-te por isso! Nunca senti que tive um pai de verdade. Nunca tive uma figura paterna com quem pude compartilhar todas as coisas. Sempre senti e carreguei a verdade dura e crua, de que sempre fui o menos importante da sua lista. Sinto que ele nunca se importou, mas também quero que ele saiba que agora não guardo remorsos ou qualquer tipo de rancor. Só não quero falar com ele porque não tenho nada para lhe dizer.